Para mim, pelo menos.
O encontro com o velhinho nazista que ousou rir de minha (futura?) profissão foi um anúncio. Depois dos 30 minutos de nossa conversa forçada no ponto de ônibus, consegui a paz daqueles que só querem ficar no seu banco lendo um livro sem ouvir frases preconceituosas ou debochadas. E, com os fones de ouvido em seus locais de destino, abri o livro que ora leio na página 82.
O livro em questão chama-se O olho da rua - uma reportagem em busca da literatura da vida real, da jornalista Eliane Brum. A obra traz 10 histórias da vida real contadas por Eliane, repórter especial da Revista Época, numa mistura fascinante entre jornalismo e literatura. A página 82 é o início de "A casa de velhos".
Eliane interna-se em um dos asilos mais tradicionais do Rio de Janeiro e lá convive com vários velhos e velhas - como ela mesma prefere chamá-los - , descobrindo os anseios, medos, delírios, esperanças, conformismos de pesssoas que, um dia, viram "a vida inteira espremida numa mala de mão".
Preciso lhes contar que tenho uma espécie de atração por velhinhos (um pouco menos pelos nazistas que me chamam de filhinha de papai). Simplesmente considero-os sinônimo de sabedoria, dessa que você não encontra na página de livro algum, dessa que se vive e que fica tatuada na pele, gravada em algum lugar da mente. Admiro-os, olho-os com respeito e fico bem brava se vejo alguém maltratando-os (não, não perdi a paciência com meu velhinho nazista que lutou na Segunda Guerra e jura ter andado de submarino). Se um senhor ou senhora de cabelos branquinhos e óculos de grau se coloca a contar uma história, eu paro para escutá-la. Mesmo que não esteja contando seu "causo" para mim.
E foi a minha admiração pelos velhinhos que me tocou na reportagem de Eliane. Não queria soar piegas e fiquei cinco minutos pensando em outra palavra para "tocou", mas não encontrei outra que melhor descreva o que senti. Há muito, muito tempo que não lia nada tão bonito, tão humano no jornalismo. O meu sorriso e as poucas lágrimas que derrubei em público não foram causadas pelas histórias de quem muito viveu e espera, cada um ao seu modo, pela morte. Não. Minhas emoções foram causadas porque vi e li algo que não via e lia há muito tempo dentro do universo jornalístico: alguém que sabe sentir e dizer o que sente.
Faça uma experiência. Pegue um jornal ou uma revista atual e se disponha a ler as inúmeras matérias, notas, etc, etc. É tudo sempre tão igual, tudo com a mesma cara. Um padrão que irrita, não importa o quaõ inusitada seja a notícia. E então leia "A casa de velhos". E entenda que, sim, é possível ter um olhar mais humano nas situações do dia a dia e é possível retratá-las com um pouco mais de sensibilidade. Afinal, nós, jornalistas, retratamos com palavra o mundo a nossa volta e ele, meus caros, é humano.
Não me iludo. Muitos de nós, a maioria mesmo, será escravizado pelas redações e agências da vida. É assim que funciona e não há perspectivas de mudança. O importante é não perder a capacidade de olhar o mundo com os olhos de quem o sente. E retratá-lo assim no seu jornal, revista, em sua página na Internet, para seu vizinho, pais, filhos, cachorros. A lista de leitores é imensa e sempre haverá um para você. (Na pior das hipóteses, mire-se no espelho).
O importante é não perder o encanto. E ter algo do que se orgulhar quando se encontrar com "a vida inteira espremida numa mala de mão".
O encontro com o velhinho nazista que ousou rir de minha (futura?) profissão foi um anúncio. Depois dos 30 minutos de nossa conversa forçada no ponto de ônibus, consegui a paz daqueles que só querem ficar no seu banco lendo um livro sem ouvir frases preconceituosas ou debochadas. E, com os fones de ouvido em seus locais de destino, abri o livro que ora leio na página 82.
O livro em questão chama-se O olho da rua - uma reportagem em busca da literatura da vida real, da jornalista Eliane Brum. A obra traz 10 histórias da vida real contadas por Eliane, repórter especial da Revista Época, numa mistura fascinante entre jornalismo e literatura. A página 82 é o início de "A casa de velhos".
Eliane interna-se em um dos asilos mais tradicionais do Rio de Janeiro e lá convive com vários velhos e velhas - como ela mesma prefere chamá-los - , descobrindo os anseios, medos, delírios, esperanças, conformismos de pesssoas que, um dia, viram "a vida inteira espremida numa mala de mão".
Preciso lhes contar que tenho uma espécie de atração por velhinhos (um pouco menos pelos nazistas que me chamam de filhinha de papai). Simplesmente considero-os sinônimo de sabedoria, dessa que você não encontra na página de livro algum, dessa que se vive e que fica tatuada na pele, gravada em algum lugar da mente. Admiro-os, olho-os com respeito e fico bem brava se vejo alguém maltratando-os (não, não perdi a paciência com meu velhinho nazista que lutou na Segunda Guerra e jura ter andado de submarino). Se um senhor ou senhora de cabelos branquinhos e óculos de grau se coloca a contar uma história, eu paro para escutá-la. Mesmo que não esteja contando seu "causo" para mim.
E foi a minha admiração pelos velhinhos que me tocou na reportagem de Eliane. Não queria soar piegas e fiquei cinco minutos pensando em outra palavra para "tocou", mas não encontrei outra que melhor descreva o que senti. Há muito, muito tempo que não lia nada tão bonito, tão humano no jornalismo. O meu sorriso e as poucas lágrimas que derrubei em público não foram causadas pelas histórias de quem muito viveu e espera, cada um ao seu modo, pela morte. Não. Minhas emoções foram causadas porque vi e li algo que não via e lia há muito tempo dentro do universo jornalístico: alguém que sabe sentir e dizer o que sente.
Faça uma experiência. Pegue um jornal ou uma revista atual e se disponha a ler as inúmeras matérias, notas, etc, etc. É tudo sempre tão igual, tudo com a mesma cara. Um padrão que irrita, não importa o quaõ inusitada seja a notícia. E então leia "A casa de velhos". E entenda que, sim, é possível ter um olhar mais humano nas situações do dia a dia e é possível retratá-las com um pouco mais de sensibilidade. Afinal, nós, jornalistas, retratamos com palavra o mundo a nossa volta e ele, meus caros, é humano.
Não me iludo. Muitos de nós, a maioria mesmo, será escravizado pelas redações e agências da vida. É assim que funciona e não há perspectivas de mudança. O importante é não perder a capacidade de olhar o mundo com os olhos de quem o sente. E retratá-lo assim no seu jornal, revista, em sua página na Internet, para seu vizinho, pais, filhos, cachorros. A lista de leitores é imensa e sempre haverá um para você. (Na pior das hipóteses, mire-se no espelho).
O importante é não perder o encanto. E ter algo do que se orgulhar quando se encontrar com "a vida inteira espremida numa mala de mão".