Tropecei e senti o vento forte. Poeira e folhas. Avistei, então, algumas pessoas. Elas estavam muito próximas umas das outras. Disputavam um espaço. Não sei quanta gente havia ali porque simplmesmente não contei. Aproximei-me, mas não muito, da pequena multidão. Dois homens seguravam uma pá. Estavam cavando um buraco. Cavavam, cavavam, cavavam. Era fundo.
O rosto de cada pessoa ali presente demonstrava revolta, raiva, desprezo. Mas eram pessoas contidas, revoltavam-se caladas. Eu não sabia do que se tratava. Que buraco era aquele? Eu não sabia. Não sabia por quê tanta gente observava dois sujeitos cavando um buraco no meio da rua de pedras disformes. Resolvi perguntar.
- Por que estão cavando?
- Há uma mulher enterrada aqui.
Minha face também demonstrou uma raiva contida. Porém, a expressão dos demais denotava surpresa. Sim, ficaram surpresos diante de minha pergunta. Eu era nova ali. Talvez, não tivesse o direito de questionar as ações dos demais. Resignei-me ao silêncio. Continuei assistindo à cena.
Enquanto os dois homens cavavam, uma espécie de comoção tomava conta de mim. Eu estava ali e estava em lugar nenhum. Fui a todos os lugares. Voltei quando ouvi o sussuro de uma senhora.
- Como ela ousa? Assiste ao momento que ela mesma criou.
Aquela fala era para mim. O olhar daquela senhora era voltado para mim. E os homens pararam de cavar.
- O corpo dela está aqui. Há quantos dias, senhorita?
A pergunta era para mim.
- Eu não sei. Sou nova aqui. Cheguei há não mais do que dois ou três voares das borboletas.
- Mentira. Você a enterrou aqui. Nós sabemos.
Não, eu não enterrei ninguém. Não sabia quem era a morta. Estava sendo acusada de algo que não fiz. De ser alguém que não sou e que recuso acreditar que possa ter sido.
Eles estavam loucos.
Recuei alguns passos. Eles avançavam em minha direção. Não havia outra maneira senão fugir. Corri. Corri cada vez mais rápido. As pedras disformes já não importavam. E todas as cores se resumiam a vermelho. E toda a rua transformou-se em um único corredor. Eu não cabia lá.
E o corredor vermelho agora era uma sala, igualmente vermelha. Eu estava só. Nãi mais acusações ou perseguições. Ouvi acordes de violino. Não matei nem enterrei ninguém, mulher alguma, homem algum. Nem mesmo uma criança ou cachorro. Não, nunca.
Os acordes aumentaram. E as paredes da sala vermelha começaram a mover-se. "Serei esmagada", foi meu último pensamento.
Estive no inferno e voltei. Trago boas notícias.