07 agosto, 2008


Quando acordou, o padre foi verificar se ela estava morta. A beata não respirava. Ele pediu perdão a Deus como quem já não crê em mais nada. Às vezes, muitas vezes, na verdade, fazemos as coisas por puro costume. Anos e anos rezando a mesma missa, pregando os mesmos sermões, ouvindo os mesmos pecados. A vida de um padre é somente rotina. Este padre em questão cansou dos dias iguais. Queria experimentar as idéias que rondavam sua mente.


Da primeira vez que experimentou, sentiu nojo de si próprio. Como pude, como pude, meu Deus? Logo percebeu, porém, que sentia pura culpa cristã – essa que a maioria dos humanos sente todos os dias, várias vezes. Pois o homem, o padre, viu que era bom e experimentou outras vezes. Sentiu prazer. Sentiu-se forte por dominar o frágil. Encontrou poder. Pensou ser maior que o criador.


Mas ela descobriu. A beata era bonita e poderia ter o homem que quisesse. Ela escolheu servir ao que não tem rosto nem forma nem voz. A beata descobriu. Ouviu um gemido que não vinha das orações do padre, que há muito tempo não orava mais. A voz do gemido era fina. A voz do gemido era de dor.


O padre tentou alcançá-la, mas ela trancou-se em seu quarto. Provavelmente, agarrou o terço, ajoelhou-se aos pés da santa e colocou-se a rezar. Clamou misericórdia. A beata rezou pelo padre e pelo dono da voz. Sempre se esquecia de si própria. O padre voltou para seu quarto, bateu no dono da voz. A cabeça do padre estava muito confusa. Ele fora descoberto. Ele poderia negar, negar três vezes. O padre sentia raiva da beata que era bonita. O padre foi tendo idéias que vinham da mente ardilosa do diabo. O padre sentiu medo. Refletiu. Ponderou. Decidiu unir-se ao inimigo.


Certificou-se de que não havia ninguém nos corredores. Bateu à porta do quarto da beata três vezes. Ela hesitou, mas abriu e o deixou entrar. Ele pediu perdão. Clamou misericórdia. A beata disse que ele seria julgado pela justiça divina. O padre ouviu o sussurro do diabo. Não precisou de força para jogar a beata na cama. Ela não se debateu. O padre a sufocou com um travesseiro de penas de ganso. Depois, a acomodou como se estivesse dormindo com os anjos.


O padre voltou para o quarto. E chorou. E riu. E disse ao diabo que iriam acertar as contas. O diabo disse que é o único que tem algo a receber. O padre sentiu vergonha de Deus. Ele queria o dono da voz do gemido. Abraçou-se ao travesseiro e dormiu um sono novo.


Quando acordou, o padre foi verificar se ela estava morta. A beata não respirava. Ele pediu perdão a Deus como quem não crê em mais nada. O padre voltou para o quarto. Em breve, voltaria para o dono da voz do gemido. O padre sentiu-se livre, mas não mais livre do que a beata morta.

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